quinta-feira, 7 de abril de 2011

Uma quase parábola no caminho de Emaús

Jarlyne de Queiroz[1]

Ano de 1954, há 54 anos.
Você já dormiu ao relento? Você já passou fome? Já ouviu seu filho perguntar “Pai, mãe, tem bolacha?”, e você responder “Não consegui, filho, não consegui, filha”? Pois saiba: ser obrigado a deixar que o frio da madrugada penetre seus ossos dá até saudade da morte! Os meteorologistas dão 0ºC, mas você sente -3ºC. É quando você mistura frio, fome e desamparo.
Quem passa e vê aquela família ou aquele idoso jogado na desgraça da sarjeta, de duas, uma: move-se pela compaixão ou pelo raciocínio que naturaliza a exclusão social, como se a gente fosse culpada de se achar naquela situação que remete ao “poço sem fundo”. Talvez por inconsciência ou ignorância sentencie que faltou coragem, que não soube ou não pode competir. Melhor dizendo: você recebe um beijo na suja testa ou um emplastro de escarro sobre o mísero corpo. O que importa: as causas da miséria e da exclusão social não são naturais como o frio, o calor, e estão presentes em qualquer país do mundo, seja França, Brasil.
Dá para imaginar que o mundo de quem sofre a miséria é a sombra do mundo do luxo e da ostentação? A gente é a formiga nas sobras de tudo, do lixo de tudo, da tigela quebrada que recolhe desesperadamente os frutos da indiferença. A gente chega a achar que a solução é anestesiar tudo isso.
Quando a gente conta essas coisas, não dá para esquecer “o visitante barbudo”, de fala enrolada. Um homem que viveu a vida da gente durante dois meses, contados oito domingos -, quando a cidade grande vira cemitério. Ele até dormiu embrulhadinho em papéis de jornais de notícias passadas e desinteressadas. Ele se foi quase sem dizer uma palavra, a não ser o próprio nome, aliás, de pronúncia por demais estranha. A gente gostou dele, seu olhar era diferente. O “Tiquim” pergunta todas as noites por ele. Sua presença ou, como queira, sua ausência é a única coisa que a gente lamenta nesta vida.
Ah! Como a vida dá voltas...! Ocorreu o inesperado, querido das entranhas do coração! Conto do quase começo: O meu vizinho da escuridão congelada não larga o radinho a pilha, velha mania dos tempos de futebol...! Um tal Henri Antoine Groués, mais conhecido por Abbé Pierre, natural de Lyon - França, toma de assalto a Rádio Luxemburgo. Quando ele fala do tempo que passou com a gente e pronuncia seu nome, a gente gritou e chamou quem estava por perto... É ele! É ele! Venham, venham logo! Naquele momento, a gente adquirira alma nova. E quem ouvia aquela Rádio passava a ter a chance de recuperar a humanidade perdida. Ali nascia o Movimento Emaús.
Somente hoje a gente entende por que Jesus foi reconhecido pelos discípulos de Emáus na Palestina: o modo como partia o pão explicava tudo.



Abbé Pierre.




[1] Jarlyne de Queiroz é filósofa, engajada no Movimento Emaús Vila Velha – Fortaleza-Ce.

sábado, 2 de abril de 2011

Nova Logo


Essa é a Logo que passamos a usar depois que nos filiamos ao Emaús Internacional, cada região ficou com uma cor específica e cada grupo agregou seu nome a Logo. 

Um compromisso com os pobres do nosso tempo

O Movimento Emaús Vila Velha nasceu de fato em Janeiro de 2006, com o total apoio moral e financeiro no primeiro semestre do Movimento Emaús amor e justiça. Sem este apoio inicial seria muito difícil dar continuação e consistência as nossas atividades. Sabemos as dificuldades que encontramos na formação de uma comunidade de Emaús, daí a importância da partilha, da solidariedade e do apoio de outros grupos. Desta forma este novo movimento nasceu da necessidade da comunidade ser assistida e da nossa consciência de emaús.
·        A Comunidade de Vila Velha IV[1] localiza-se em uma área de risco (mangue) onde moram em torno de 3.000 famílias desassistidas dos serviços públicos básicos, tais como: água, luz, esgoto, hospitais, escolas, creches, centros sociais comunitários, enfim... Hoje Vila Velha IV já é reconhecida como comunidade, mas ainda não é legal, aos olhos do governo, por ocupar uma área “proibida” (preservação ambiental- APA).
·        As crianças que freqüentam o Reforço Escolar do Movimento Emaús Vila Velha, já vêm de histórias de famílias complicadas. Na sua maioria, atrasadas nos estudos, filhos de alcoólatras ou pais separados, viciados em drogas, ou pais sem emprego, renda familiar abaixo da linha da pobreza, casas muito pobres, nunca experimentaram boa roupa ou calçado, brinquedos, educação doméstica, não conhecem ordem, disciplina, não gozam de boa alimentação e saúde, têm aspecto de crianças sofridas que precisam muito mais que escola... Precisam de carinho, diálogo, amor, atenção, conhecimento, incentivo, esporte, lazer e entretenimento saudável. Enfim, elas precisam ter dignidade para serem crianças felizes. Muitas delas já trabalham para ajudar os pais, algumas se comportam como pessoas adultas em alguns aspectos, portanto, sentem-se cansadas para estudar.


[1] A Comunidade Vila Velha IV, situada no bairro Jardim Guanabara, que tem 64 mil habitantes, nasceu da necessidade de habitação por parte dos chamados "fugitivos da seca".
O Conjunto Habitacional Vila Velha foi construído para a instalação de algumas famílias que foram remanejadas da orla do Pirambu, com a execução do projeto "Costa-Oeste" hoje conhecido como Vila do Mar. Do citado conjunto nasceram então outros dois, todos com o nome Vila Velha Por fim, nasceu a ocupação desordenada mais ao fundo do mangue, tendo por nome Vila Velha IV.